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quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Um belo aniversário

Estava ansiosa por tocar o meu vestido. Ainda não havia telefonado para Carla, minha filha mais velha, para vir me buscar. Quando encontrei Andréa, na noite de quarta-feira, ela informou que o aniversário de Hélio seria no sábado. Já sabia. Desde então me ocupo com esse vestido. Sabia dos atrasos de Firmina. As outras vezes foram chatas de dar dó. Sozinha no quarto de Vanessa, entediada, telefonava a todo momento pedindo pressa. O telefone celular estava indócil. Esperando pelas meninas, mais uma vez. Coisa chata. Ainda estava com o vento da Capadócia no rosto. Boas lembranças de mais um voo de liberdade. Gostava de viajar. Já tinha conhecido o mundo, depois do divórcio. Não havia motivos para quaisquer enlutamentos. O relacionamento com o Rodrigo não foi dos melhores. Poderia ter sido algo que, realmente, não foi. Nem chegou perto. Ele se apaixonou por uma menina jovem demais. Eu não preciso dele mais, sou concursada, trabalho menos do que suporto, ganho meu próprio dinheiro, não careço de ajuda de homem nenhum. Sou independente. Saí de casa logo após a avassaladora paixão por Rodrigo. Não abandonei as meninas. Finalmente respirava. Elas entenderam o que aconteceu. Suava felicidade. Tiveram pena do pai e ficaram com ele. Tremia de ansiedade em cada novo encontro. Ele foi fraco em todos os momentos. Sempre agiu sem decisão. Aquele insuportável ar tranquilo de quem está sempre pedindo. Fiz todo o prometido. Agi, exatamente, como as mulheres autônomas de minha geração. Exigi o divórcio imediatamente. Nem houve titubeio. Fui firme em sair da casa que morávamos há quase vinte anos, juntos. Frustrações mortas. Casei nova. Tive três filhas cedo demais. Estava casada e viajando o país, por conta das transferências do Hélio, mais que aguentava. Salvador, Fortaleza, Rio de Janeiro, Búzios. Quando dei por mim, minha vida estava fora dos meus afazeres. Como pude viver tanto tempo sem a alegria de hoje. Como pude. Já tinha cortado os cabelos e feito escova, já havia feito a maquilagem. Esperava apenas a roupa escolhida. Um programa da tevê fechada recebia a minha atenção. Desci as escadas de meu apartamento para pegar o pacote no carro de Bruno, meu genro casado com Andréa, minha caçula. Estava realmente muito bonito. Desta vez a costureira agiu conforme tínhamos combinado. Até os detalhes da alça ficaram bons. Esperei mais alguns minutos e Carla veio me pagar no carro novo dela. Esta menina precisa diferenciar o fundamental do acessório. Depois eu ensino isto a ela, como fiz diversas vezes antes. Fui chegando devagar ao local da festa. O carro voava. Minha filha dirige muito bem e estacionou bem perto do local da entrada. Brinquei, logo no portão, com meus netos. São lindos. Todos os meninos são cheios de vida e alegria. Carreguei minha coragem nos ombros. Sabia que a namoradinha do Hélio estaria no aniversário. Desrespeito enorme a minha pessoa. Não falava com ela com muita elegância. Ela não tinha coragem de falar comigo. Sabia onde ficar. Ele poderia não convidá-la para o aniversário de sessenta e dois anos. Principalmente pelo pouco tempo que estavam juntos comparados ao nosso relacionamento. Que são seis anos. Ela ainda nem morava com ele. Também, deveria ter vergonha de andar de mãos dadas no parquinho da rua de baixo do apartamento da Pituba. Coisa medonha. Dois velhos caquéticos fingindo um namoro adolescente. Ela o conheceu, em verdade, quando ainda eram meninotes. Ele era catorze anos mais velho que ela. Nunca se aproximaram por conta disso. A vida dá muitas voltas. Hoje está da idade dele, velha. Relacionamentos não vividos são duráveis. Quando deu por si, pobre Hélio, estava casado, viajando e cheio de responsabilidades. Todas sempre pediram muito dele. Mas, após tantos anos, o divórcio e uma vida pacífica comigo, voltaram a se encontrar. Eles se parecem. São apáticos, dizem calmos. Os olhos de ambos são azuis claros, que coincidência incrível. Íris parecidas com o mar após uma chuva torrencial. Aparentam irmãos, isso sim. O jardim do prédio estava cheio de lâmpadas claras. Estavam acesas umas tochas de óleo quente, para espantar os mosquitos da localidade. O natal estava chegando e com ele a sensação de melancolia aflitiva de sempre. Já tinha preparado viajar no período. Estava convicta da necessidade de conhecer Teerã. Passei pelo portão e entrei. Olhei para todos os lados e não a encontrei. Meu alvo deveria estar por perto. Sabia que estava andando por ali. Deveria estar ciceroneando o Hélio, como se dona fosse. Coisa feia. Fazendo às vezes de mulherzinha do aniversariante. Ela não era. Nunca será. O divórcio no papel ainda não saiu. Eu sempre fico ocupada para assinar aquela papelada toda. Dividimos o patrimônio. Ele deixou comigo o apartamento e quase todos os bens. Não precisava de nada, somente minha paz, perdida em meio a tantos tumultos. Deixei as meninas na casa dele. Elas já estavam adultas. Fiz o que tinha de fazer. Até o cachorro concedi. Nunca criei qualquer tipo de confusão diante dos fatos. Ele teve de ir até em psicólogos. Minha terapia foi outra. Olhei-me no espelho da sala de entrada, mais uma vez. O criado mudo carregava pequenas taças de chocolate repletas de licor de amarula, deliciosos. Tomei um dos pequeninos copinhos nos lábios e senti a maciez do chocolate. Olhei para o alto. Os lustres de cristal cintilavam. O líquido escorreu por minha garganta quente e cheio de sabor. Minha língua sentiu a maciez do álcool e adormeceu por conta da doçura. Sorri para alguns conhecidos e acenei para outros. Abracei amigos velhos. Beijei alguns parentes do meu ex-marido. Conversei com colegas. Estava fazendo o meu sorridente repetitivo papel, de sempre. No entanto, após o vento de início de inverno passar pelo novo e lindo vestido e levantar um pouco a barra para o alto, meus olhos pararam no meu fim. Soava spend all your time waiting/ for that second chance/ for a break that would make it okay/ there's always some reason/ to feel not good enough/ and it's hard at the end of the day/ i need some distraction/ oh, beautiful release/ memories seep from my veins/ let me be empty/ oh, and weightless and maybe/ i'll find some peace tonight [...]. Estavam dançando no meio da pista. Colados. Sentidos. Embalados. As pessoas olhavam e aplaudiam, com copos de vinho borbulhante nas mãos. Sorrisos inúmeros davam o tom do momento. Os presentes estavam amontoados em um canto, em uma caixa de papelão forrada de papel laminado. Uma senhorinha anotava alguma coisa em um bloquinho de papéis azulados. A roda espontânea se formava circulando os pombinhos que, enlaçados, uniam os olhos azuis em dimensão de um amor impensável por mim. As três filhas dela, já adultas, com alguns dos filhos nos braços, uniam-se às minhas meninas, em um semi-círculo exato. Filmavam. Os primos estavam após minhas filhas, em redor. Fotografavam. Os amigos mais além. Todos sorriam e cantarolavam baixinho, embalados pela melodia poderosa. Aquela música não era deles. Fiquei atônita. Meus olhos não cabiam no quadro. Onde deveria estar adiante. Qual era o meu lugar naquele teatro. Minha filha mais nova notou o encontro. Deixou o pequenino Lucas, que carregava, no colo do pai. Veio até mim com sorrisos de boas vindas. Oi mãe. Quando chegou. Por que não ligou. Vestido bonito. Está bebendo alguma coisa. Quer comer agora. Já falou com tia Nenê. Ela estava te procurando. Eu não poderia fingir o sorriso durante mais tempo. Meus olhos caíram das órbitas. Eu girava por dentro. Quase sentei em uma cadeira perto da porta da cozinha. Os garçons passavam com bandejas cheias de bebidas. Atrás deles vinham as comidas. Uma jovem de vestido preto colado tentava arrumar a maneira do serviço. Soprei ar para dentro dos pulmões. Notei que, um dia, saberia sentir. Soltei o ar. Passei as mãos nos cabelos quase louros. Tinha conhecimento que nada restaria fazer. Trinquei os dentes. Voltei para o velho papel. Gritei de felicidade ao ver minha irmã vestida lindamente, luminosa. Peguei meu cunhado pelas mãos e fui dançar.